CONTO #1: Olhos famintos

by - janeiro 05, 2019



As luzes piscavam freneticamente, enquanto a luz soava forte e brusca, com gritos, jogadas de cabeça, cabelos, suor e o agudo da guitarra.

Havia um forte odor de cocaína e olhos vermelhos, que procuravam sem fim um ponto a fixar o olhar, sem sucesso e sem nexo. Eu, parada no meio, curtia a plena sensação da liberdade dentro de cada nota que vinha do palco, da voz gritante que me mandava esquecer tudo, me desprender.

Os braços pendiam no alto da cabeça, soltos, sem um aparente fim, mas congelaram com o que meus olhos viram. Ele, pensei. Com outra? Indaguei em silêncio. Seus olhos se mantinham frente a frente, seus lábios pronunciando palavras inaudíveis e os corpos em perfeita sincronia, prontos para se atracar, ou pior. Os lábios se aproximaram à medida que as minhas lágrimas desciam das glândulas lacrimais até os olhos, enchendo-os de ódio e dor.

Gritei. Ninguém ouviu, todos gritavam.

Depois seus olhos me fitaram e demorou apenas um segundo do reconhecimento ao desespero. Girei nos calcanhares e fugi. A batida da música diminuiu, fazendo eu ouvir seu grito chamando meu nome, mas não olhei para trás. Não merecia. Continuei a andar, era apenas um ponto entre várias pessoas, todos gritando, pulando, drogados, libertos.

A multidão ficou para trás, entrei na escuridão de um corredor vazio. Existia apenas o som, agora oco, da mesma música. Meus passos reverberavam e eu podia ouvir outro reverberar de passos que me seguiam. Não arrisquei virar o rosto. Segui no corredor comprido que emanava cheiro de sexo e urina. Mais alguns passos, haviam alguns casais, era escuro para dizer ao certo, mas os gemidos os denunciavam. Depois silêncio, agora a música se fora, só havia eu, meus passos, os passos dele e uma porta. Abri e sai.

Debaixo de um céu escuro e um frio impossível de deduzir, caminhei sem rumo. Não havia pessoas na rua, alguns mendigos dormindo, mas nenhum movimento. 3:00 da manhã, talvez. Continuei a andar, ainda sentia a presença. Passou a ficar estranho quando, 5 quarteirões depois, ninguém falou nada. Andei mais rápido. Ele repetiu. Corri. Ele me seguia. Arrisquei olhar para trás. Quem era aquele homem? Pensei, aterrorizada. Estava mais perto do que pensava, corri mais rápido, meu coração se acelerando pelo medo repentino, a insegurança de uma morte iminente, o arrependimento depois da dor da traição.

Mãos agarraram meu cabelo, depois seus lábios sussurraram baixo no meu ouvido, o arrepio eriçando os pelos da minha nuca pela excitação, minha respiração acelerou e fui virada bruscamente para ficar face a face com o estranho. Tinha olhos escuros, me fitavam sem piscar, enquanto seus lábios sorriam de lado, depois puxou meu corpo para o seu, apertando meus seios no seu peito, com força, causando dor.

Sussurrou novamente, a voz grossa fazendo minhas pernas tremerem. Seus lábios se aproximaram dos meus, beijando à força, suas mãos envoltas nos meus braços, apertando, sentia os hematomas surgirem junto com a dor imediata. Não retribui o beijo. Depois senti meu rosto arder, quando a grande mão dele me esbofeteou, sem pena. Caí, desta vez liberando todas as lágrimas da dor, do medo, da traição, arrependimento, tudo em uma enxurrada só. Poderia ser pior, ele pronunciou com firmeza, seus lábios no meu ouvido. Me beija, ele falou. Permaneci fitando o chão. Me beija, desta vez ele gritou. Solucei alto e novamente senti a dor de outro tapa atingir meu rosto com força, não compreendia.

Meu estômago revirou quando sua língua entrou na minha boca, sua saliva se misturando com a minha, sem prazer nenhum, sem vontade nenhuma. Ali mesmo, no chão de uma rua vazia, sob um céu escuro e um frio profundo, ele me despiu. Arrancou minha roupa, deixando minha pele sob o frio, meu corpo tremendo e os pelos se eriçando a cada toque da sua mão grossa e quente. Minhas lágrimas, agora geladas, desciam pela face e pela minha garganta subiam soluços dolorosos. Nossos corpos viraram um só, contra minha vontade. Ele ria e me apertava.

Depois sobrou apenas roupas enroladas em um canto, meu corpo nu em posição fetal, a rua vazia, o frio, a dor. Ele se fora.

Chorei por horas, então o primeiro raio de sol surgiu, iluminou meu corpo despido e eu senti a realidade se chocar contra minhas dores físicas e psicológicas. Vesti o que sobrara da roupa, me distanciei. Meus olhos encontraram novamente os olhos que me traíram antes de tudo, ele sorriu. Descobri de onde viera minhas dores, elas doeram mais, ao dobro.
Sem aguentar, fugi.

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